sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Imemorial

I

É de manhã indo para o trabalho

que me sinto solitário.

É tendo um emprego que percebo

a opacidade irremediável da existência.


Já não sei bem se bebo

café ou conhaque?

Estou dormindo ou acordado?


Não percebo, percebe? se estou embriagado.


O meu problema é ter sido reduzido ao medo da chuva,

de molhar os sapatos,

à viver aprisionado.


A vida será isso?


Pela janela do carro o mundo se afigura a um quadro expressionista,

no qual as formas remetem

a tempos imemoriais

- é dessas formas que esqueço mais!


Sinto o peito de pedra irmanado ao chão.

Já chorou lágrimas de álcool?


Percebe que as nuvens são pontos, pequenos?

Tão próximos!

Já sentiu que poderia tocá-las?

Que seus cabelos podem se confundir com esse mundo de nuvens esfumaçadas?


II

Meu olho de vidro vai pela fumaça,

vê senão entende, o mundo

dessente.


Pelos olhos invento o mundo,

explico tudo o que confundo.

A que, sem fundo, tenho direito.


Julgo o mundo pelos olhos,

um estranho pela porta,

o jardim pela janela.

Jogo com as formas que esqueço.


Vidro e fumaça deforma.

Enquanto lá fora...


Vejo o monumento,

um Imemorial,

uma homenagem ao esquecimento.


Não sei se mereço tanto

por meus de-s-feitos!

sábado, 17 de novembro de 2007

Chitilim

_ Só tem um caminho até lá?

_ Só! Pelas bordas da escada, nunca pelo meio, pelo meio o caminho é normal e leva para o lugar de sempre.

A escada tinha degraus leves e era fácil de subir. As laterais eram muretas da altura do chão. Chitilim explicava justamente isso: para chegar ao jardim secreto era preciso subir a escada por uma das muretas.

_ Antes do crepúsculo, ouviu? Por que depois o jardim desaparece e as amoras se transformam em formigas gigantes.

Mariana espantou-se, mas em seguida fez cara de coragem e seus olhos ficaram bem pequenos. Ela continuou olhando a escada, decidindo se ia mesmo subir ou não.

_ Antes do crepúsculo!

Chitilim apressou Mariana.

_ Qual é a cor de lá?

Ele riu da pergunta.

_ Não vou responder, se você pode ir até lá e ver você mesma!

Mariana ficou irritada. Precisava de outra pergunta. Uma que ele não pudesse evitar responder. Pensou...pensou...e...

_ O que são amoras?

_ Ora! Amora?... Amora é o feminino de amor. Se você me ama, eu sou Chitilim, o seu amor; se eu te amo, você é Mariana, minha amora.

Chitilim sabia que isso tudo era uma estratégia de Mariana, ela queria ganhar tempo, então retirou do bolso um caleidoscópio e entregou a ela.

_ Segura um instante?

Mariana arregalou os olhos.

_ Então, isso é um instante?

Segurou o caleidoscópio por um dos lados.

_ Nunca pensei que pudesse segurar um instante!

Chitilim arrumou os óculos que estavam meio caídos em seu nariz e fez cara de pensamento.

_ Mas pode! E enquanto conseguir o universo todo caberá em sua mente. O tempo, desde que tudo começou, até quando tudo acabar, caberá na sua cabeça. Enquanto segurar o instante você poderá estar em todos os lugares ao mesmo tempo e ter todas as respostas que procura sem entender nenhuma.

Chitilim queria que o caleidoscópio animasse Mariana.

_ Olhe dentro um instante!

Mariana olhou, e logo depois, impressionada, tirou o objeto dos olhos. Agora tudo o que olhava era como se fosse pelo caleidoscópio.

Ela olhou para o alto da escada e pôde ver a entrada do jardim. Era muito iluminado e possuía milhares de amoreiras.

Fazia muito tempo que Chitilim falava do jardim e de como tudo nele era mais colorido, e como as frutas eram mais doces, e como tudo lá era mais fácil de entender.

No entanto, Mariana evitou acompanhá-lo até as escadas o quanto pôde, mas agora estava lá e sabia o que devia dizer a ele.

_ Chitilim.

Ele estava muito divertido pelos olhos de caleidoscópio. Mas ela se controlou para não rir.

_ Oi?

_ Tem uma coisa que preciso dizer, já faz um tempo, mas estava sem coragem.

_ Fala!

Mariana abaixou a cabeça e algumas lágrimas caíram. Quando ergueu de novo a cabeça já não tinha mais seus olhos de caleidoscópio, Chitilim estava normal e alguns passos para trás. Ele já havia entendido.

O sol começava a se pôr e as cores ficaram todas muito vivas. Era o crepúsculo, o dia estava indo embora. O brilho do jardim ficou mais forte chegando a iluminar até o pé da escada.

_ Você precisa ir Chitilim. Eu não posso mais ver você.

O crepúsculo passou e o jardim desapareceu.

Chitilim nunca se afastou de Mariana e às vezes, quando ela solta os olhos no nada, pensativa, ele é capaz de jurar que ela está olhando para ele. Mas ele não tem certeza, nem coragem de tentar falar com ela.

Na dúvida Chitilim decidiu não envelhecer, e se tornou o próprio envelhecimento.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A fada do meu botequim

Ela não pode ser triste

porque sabe o que quer,

ela teimou e enfrentou o mundo,

se não é isso que sonha quase toda mulher...


saber que o mundo não é

mas é como se fosse...


ficção e realidade

que são o som que há-de

fazer dançar

a fada do Meu botequim.

domingo, 26 de agosto de 2007


Pra quem nasceu
navegando nos mares de morro
do Sudeste ver o vento soprar
nas caras velas pretas e brancas
mas não de nostalgia
dos tempos em que nos tornamos colônia
...sina eterna...
(Foto: Mariana Vicente; Texto: Eu mesmo)

www.fotolog.com/quakquak

sábado, 18 de agosto de 2007

Virgínia Woolf

Alternados eu e ela
possuímos pedras nos bolsos,
caminhamos para o rio
sem saber se será frio
ou não.

Muitas vezes eu e ela,
só nós dois e minhas velas,
não coubemos na escuridão.

Depois das horas
essas chamas cegam,
a voz dos homens chega.

São essas luzes que me tentam
sem que eu tente vencê-las.

18/08/2007

terça-feira, 24 de julho de 2007

O peixe

Pensei em escrever uma carta testamento
mas não pude me decidir:
Ela ou uma história infantil?
Pensei: Quem sabe sobre um peixe!

É! Um peixe distraído, sem cor
sempre deixado pra trás,
talvez porque observasse o que não atraia ninguém mais além dele

Os distraídos são na verdade
concentrados demais

Um dia
ele notando algo
curioso
aproximou-se

Foi pescado
sem nem ter tido tempo
de escrever uma carta testamento.

25/07/2007

O sexo

(Foto: Mariana Vicente; Texto: Eu mesmo)

É a saliva que já escapa da boca
e a presa
gosta de ser desejada,
não há pressa
em ser consumida

A pedra, o concreto
versus
o simples, o belo:
elo inatingível

A tensão, o tesão:
- o vento assoprando o cenário,
evitando que o belo
seja apedrejado

Os ossos e olhos
rolando pelo chão,
as vidas unidas
são tantas e afoitas

Tudo me deixa tenso.

25/07/2007

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Poema tirado de uma folha de dicionário

Epígrafe

Não hei de agradecer
ao ócio que escrever meu epícédio,
o aconselharei em voz baixa
que busque em seu estoque herói mais épico,
e que se quiser me dar fama
escreva sobre mim um epigrama.

Nada fiz na vida
que me rendesse um epitáfio,
não recordo um único episódio
digno de ser relatado
e aceitarei calado
aos que me acusarem contraditório.

Nada de livros, árvores ou epígonos.
Não me lembro de ter cantado um epinicio.

Morrerei epífito,
sem um momento de epifania
que me desperte para a vida.

Enfim, para me ater ao tema,
rompo o verso
sem usar epifonema.

11/05/07

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Dose de Cognac

Trago comigo imagens de dias frios,
brancos de tanta neve.
Tenho comigo a cereteza de nunca ter
saído do Brasil
- meu jardim nunca congelou.

A dose de Cognac me esquenta o peito,
liberta minha mente
de desejos de caipirinha,
cerveja fria e vontade de sambar.

Com batuques de pandeiro
invoco Thor pra trovoar um dia cinza,
se Zeus permitir ele virá
ter com Jací
e conhecer a neve tropical,

se tudo correr bem
Tupã abençoará o Natal.
Quem sabe Ogum catequize Odim
e ele nos empreste sua pele
pra nos livrar do frio daqui.

20/04/07

sábado, 14 de abril de 2007

Bússola

Entre eixos cartesianos
e pontos cardeais,
cercado de céus, infernos,
descendentes e ancestrais

sou tão repleto de referências
que me perco num por-de-sol.

14/04/07