quinta-feira, 30 de abril de 2009

Insônia

(Para Tom Adamenas)

O corpo se perde em si mesmo,

passo-a-passo ele caminha,

quadro-a-quadro ele se move,

e os olhos colados no relógio-de-parede

contêm a extensão do dia seguinte.


Tudo se aglutina no antigo ruido

e escorre fazendo corpo com o meu.

Somos todos o mesmo sono.



Os ponteiros não param de estalar,

eles trazem o mau presságio

do fim dos tempos

que fogem do relógio.


De repente tudo é tempo.

Tudo é Nada. Nada pode ser contido.

Onde está o velho sentido?

Da fusão surgimos novos,

mas agora somos um,

o mesmo tempo ido e findo,

também o mesmo que se mantém,

o que se passara, passa e passará.


O escuro é muito grande

e dura tanto quanto o tempo.

Ele permanece sendo

cada vez mais breu

fazendo corpo com o meu.


Somos todos o mesmo sono.

Drummondiana


Os companheiros não disseram que havia uma guerra

e era preciso trazer fogo e alimento.

Depois não avisaram que ela havia terminado

e ficamos todos aqui, suspensos...

Agora buscamos por muletas

que amparem membros que não foram amputados.

A falência múltipla dos órgãos

não pode ser medicada e as bombas ainda vibram o ar

trazendo lembranças de tudo que ainda vivemos.

Ali mesmo acontece o banquete

mas nós morremos aos poucos,

por inanição, sedentos, infartados

pelo êxtase da comemoração alheia.

Admiramos as formas retas, sem expressão

que simbolizam o controle e a calma

daqueles que seguem explodindo por dentro

gozando os espólios conquistados a custo nenhum.


É tempo de homens vazios,

de homens e corações vazios.

É o tempo do Lá, do atrás daquilo...

Os maus poemas continuam por aí

e eu não me assustaria se esse fosse outro...

É preciso desconfiar de tudo

da fé cega, do pé atrás.

É preciso suspeitar do tempo.

É preciso esquecer da estória.

É preciso aquecer o conhaque.

É preciso não se comover,

esquecer o que diziam os poetas

nesses tempos de se estar

somente.